segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Crônicas do Velho Mundo novo - Sobre a internacionalidade dos sentimentos

Aysche saiu da Wohnheim. Foi para a Turquia fazer intercâmbio. Volta em um ano. Quem sabe, mais cedo até. E tem um namorado, que ficou aqui com seus questionamentos e incertezas quanto ao futuro.

Confesso que tive até uma leve surpresa quando ela me disse que estava preparando alguns documentos para estudar um tempo fora. Não porque a situação me soasse estranha, mas pela ironia de ver uma história, que ouso chamar de minha como se ela fosse mesmo só minha, se repetir com alguém que se tornou querida, o que só nos aproxima da compreensão dos sentimentos alheios!

Misturada com a alegria compartilhada por dar como resolvida cada fase do processo chato, mas instigante que envolve deixar um país e entrar noutro, havia um certo alívio por transmitir a alguém, digamos, os sentimentos dolorosos de uma experiência como essa. Estavam deixando de ser minhas a saudade e a ausência do amante. Estavam passando a ser meus o viver o que só vive quem ama e a alegria de ter meu moço por perto. E a gente até riu disso. Sim, porque qualquer mulher reconhece a falta que o companheiro faz a uma outra! Além de que minhas reclamações concernentes a isso precisavam ser expressas, afinal, no processo de sublimar sentimentos, rir deles é fundamental. Então não foi sem rir muito que ela ouviu num alemão claro: 'Ah, minha querida, você é que é a próxima desesperada nessa história!' – para não usar a tradução mais adequada de Notgeile.

Uma das coisas interessantes em observar esse processo foi a chance de observar externamente o que ocorreu há um ano a mim e ao meu amor. Foi como ver um filme de mim. E não foi sem uma pontada no coração que ouvi Jonas, namorado de Aysche, me perguntar: 'Para quem é pior: para quem fica ou para quem vai?'. É que vi estampada no rosto dele a mesma angústia que eu via naqueles olhos que me faziam tanto bem. Fugindo de uma resposta objetiva, respondi: 'Você irá a todos os lugares a que costumava ir para encontrá-la e ela nunca estará lá. Ela vai procurar algo que traga pelo menos um pouco de vocês dois e não vai encontrar nada. As duas experiências são tão angustiantes...'.

Num dia desses, pensando sobre os desabafos de um moço que me disse não agüentar mais tanta distância e falta de vida na vida, perguntei a Jonas pela perspectiva masculina dessa vivência. Sem que Aysche estivesse ao lado e com uma profundidade na voz desconhecida até então por mim, ele falou: 'É interessante você me perguntar isso hoje, logo pela manhã. Ontem, quando ela adormeceu, olhei para ela e só então entendi que está tão perto de ela ir... Eu não sei se depois vou entender. Se terei raiva ou não. Ela vai ver um mundo totalmente novo e eu vou ficar aqui, nessa cidade chata. Sei que ela tem que fazer isso e que é bom pra ela, eu também quero fazer algo assim um dia, mas sinceramente não sei como vai ser, como vou ficar. Mas se seu moço ainda reclama sua ausência, mesmo depois de tantos meses, é porque realmente está sendo difícil pra ele... Quando chegar em casa, você tem que me escrever e me dizer como vocês estão, tá bem?'.

Sei que chegou o dia de Aysche ir. E em pouco tempo terá chegado o meu dia de ir. Conheço boa parte das sensações que ela viverá e sei que muito potencialmente ela poderá dizer no final que valeu a pena. Mas também conheço os sentimentos que espero e que farão falta a ela nos próximos meses. Aqueles que a gente espera a vida toda por ter, que engatam ou impulsionam a existência, ainda que em parte, que se dá onde quer que haja gente, seja num país tido por quente, seja num país tido por frio, simplesmente porque boa parte do que constitui ser gente se expressa em dar vazão a eles.

Susy Almeida

Colônia, 06/07.08.09

2 comentários:

  1. E o mais angustiante nessa história, é que por mais que a gente goste de alguém, nunca se sabe o que a outra pessoa pensa (ou sente).No caso de um namoro, com a proximidade,os gestos, as conversas, acredita-se que o amor é recíproco. Porém, quando as tais provas de que se gostam ficam reduzidas a conversas de skype,e-mails e cartas, parte da seguranca que se tem, se perde. E como a inseguranca anda de maos dadas com o ciume e a desconfianca,manter um relacionamento saudável, que em condicoes normais já é bastante complicado,se torna tarefa de mestre. Poranto,manter um relacionamento a distancia, só o amor nao basta (aliás só o amor nao basta nunca), é preciso também muita confianca mútua e muita auto-confianca, que irá refletir diretamente na estabilidade desse romance.

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  2. Susy, confesso que adorei essa tua última crônica. Espero um dia poder encontrar alguém que me ame assim tão intensamente.

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