Perdi todos os bons shows que aconteceram em Fortaleza desde setembro de 2008 até agora. E porque quase sempre lamentei que os nomes contemporâneos da nossa música quase nunca iam pros lados do Nordeste, preferi achar cômico a achar trágico que cantores como Calcanhotto, Herbert Viana, Paulo Miklos, Mallu Magalhães e Marcelo Camelo escolheram ou foram escolhidos para estar na minha cidade exatamente no período em que não estou lá. Até uma das cantoras de meus já quase distantes 13 anos, Alanis Morissette, pôs os pezinhos no Siará Hall. E eu não vi nada! Embora tenha conseguido “ouvir” 'Don't be surprised if I love you for all that you are, I couldn't help it, it's all your faults' ao ver O beijo, de Rodin, e 'Por que meu coração dispara quando tem o seu cheiro dentro de um livro?' ao ver os quadros que Frida Kahlo produziu pelo relacionamento que tinha com Diego Rivera – essas músicas não “ouviria” dessa maneira em Fortaleza –, lamentei não poder ouvi-las ao vivo. Mas minha mãe sempre me disse que não dá pra ter tudo, então assim a gente olha com certa facilidade para aquilo que tem nas mãos e de repente já nem se importa tanto com o que não tem. Até porque acredito ainda poder ver esses cantores de que falei em Fortaleza, mas as obras de Kahlo e Rodin não estão no Dragão do Mar com tanta facilidade assim.
Há umas semanas, porém, houve um show que não veria nunca na minha cidade rente ao Sol. Pelo menos não como aqui. Vanessa da Mata foi escolhida – porque foi convidada – para estar em Colônia quando eu estou em Colônia. E isso, é claro, não perdi. Eu e Ticiana, estudante de intercâmbio de Engenharia que tem se disposto a rir de minhas neuroses reais e compartilhado as suas para que eu também ria, foi comigo ao Café Glória no dia 24.04.09.
Chegamos cedo e fomos as terceira e quarta da fila, porque queríamos ver bem de perto. Nem precisava. Os alemães foram bem pontuais, e a casa de show, anteriormente uma sala de cinema e, portanto, pequena como boa parte dessas salas são aqui, só lotou uns 20 minutos antes do horário marcado. Mas ficamos bem perto. Perto o suficiente para ler a lista das músicas a serem cantadas naquela noite pregada no chão ao lado do microfone. Perto o suficiente para pedir ao guitarrista a palheta quando ele ainda nem tinha começado a tocar. Perto o suficiente para ver a mão de Vanessa segurar a cortina pouco antes de abri-la e entrar no palco muito senhora dele e de si. Perto o suficiente para ver um Cristo Redentor pendurado logo abaixo de uma cicatriz à altura da tireóide. Perto o suficiente para tocar na mão dela, que todo mundo só quer tocar porque é a dela. Sim, porque Ticiana nunca nem pegou na minha mão, apesar de isso não importar para a crônica!
Sei que Vanessa parece mesmo não levar problemas para o palco, como uma vez ouvi numa entrevista. Me pareceu consciente e dona do que canta, dança e expressa. E acredito que, se não conseguiu ter coro em todas as músicas que cantou, foi por uma razão óbvia: boa parte do público não falava português. Coisa que, claro, não importou em Boa Sorte e Ai, ai, ai.... Mas os brasileiros que estavam lá fizeram bem a parte que lhes cabia. Cantei tudo que sabia e dancei tudo que não sabia. Tem coisas que, afinal, não importam, e a ignorância dos outros sempre faz com que algumas coisas sejam feitas sem muita dificuldade, assim não é nada difícil dançar xote ou sambar quando ao redor há alemães que entendem daquilo menos que você. Além disso, a noite havia começado sem muita atenção a coisas pequenas: Vanessa saudou o público com um Guten Abend! ensaiado e de vez em quando falava com a gente com umas frases que ela lia em alemão nasalizando até não mais poder. Por que eu deveria, então, me importar com o que não importa? Pois dancei!
História de uma gata, na verdade composta pelo Chico, foi um dos pontos altos pra mim. A letra me agrada muito por me dizer o óbvio que está além do já dito e a batida um tanto rock ainda mais viva numa apresentação ao vivo deixa o trecho 'Pela rua virando lata, eu sou mais eu, mais gata, numa louca serenata, que de noite sai cantando assim, nós, gatos, já nascemos pobres, porém, já nascemos livres' com um certo gosto de hino de liberdade. Boa Sorte, ápice do show para os estrangeiros todos – sim, porque aquelas duas horas foram brasileiras – cantei e dancei por uma amiga muito querida que dispensou um daqueles homenzinhos que não amam bem com essa música quando ela ainda começava a ser sucesso. Pensei nela com muita intensidade nessa hora e até ri por lembrar suas loucuras e amizade. Ai, ai, ai... foi uma das últimas, tocadas após Vanessa ir para detrás das cortinas ouvir os gritos de bis e voltar como se nada estivesse programado. Vi na lista no chão ao lado do microfone. Mas gritei por este bis como quem acredita que seu grito é aquele que faz o cantor voltar.
Já disse que achei Vanessa muito natural no palco, apesar do pouco – ou muito – de encenação que acredito ser necessário para se cantar e envolver gente com o que se canta. Num dado instante houve espaço para aquela que talvez seja a mais natural das coisas. Quando Vanessa deveria ter iniciado Amado, a voz não saiu. Os olhos já cheios de lágrima trouxeram gritos como “Você merece!” e “Maravilhosa!”. Não conseguindo começar a música após a introdução ser feita pela segunda vez, foi para detrás do palco para voltar segundos depois. E, percebia-se, não era sem contenção que ela cantava. Não acredito que haja tanta comoção em todo show devido a essa música. Creio que o motivo na hora era a satisfação e – por que não dizer? – privilégio de mostrar num lugar que não é o seu sua música, sua arte, sua vida e, através disso, que “nem toda brasileira é bunda”. Após terminar a música, um alemão estendeu um daqueles lencinhos tão alemães quanto a cerveja Kölsch é de Colônia. Ela o pegou e enxugou o canto dos olhos.
Foi um dos melhores shows a que fui, não sendo o melhor pela ausência daquele para quem canto Ainda Bem. Muito dançante, muito brasileiro, muito poético e muito vivo. E, no final, o guitarrista me entregou a palheta na mão.
Susy Almeida
Colônia, 19.05.09
Há umas semanas, porém, houve um show que não veria nunca na minha cidade rente ao Sol. Pelo menos não como aqui. Vanessa da Mata foi escolhida – porque foi convidada – para estar em Colônia quando eu estou em Colônia. E isso, é claro, não perdi. Eu e Ticiana, estudante de intercâmbio de Engenharia que tem se disposto a rir de minhas neuroses reais e compartilhado as suas para que eu também ria, foi comigo ao Café Glória no dia 24.04.09.
Chegamos cedo e fomos as terceira e quarta da fila, porque queríamos ver bem de perto. Nem precisava. Os alemães foram bem pontuais, e a casa de show, anteriormente uma sala de cinema e, portanto, pequena como boa parte dessas salas são aqui, só lotou uns 20 minutos antes do horário marcado. Mas ficamos bem perto. Perto o suficiente para ler a lista das músicas a serem cantadas naquela noite pregada no chão ao lado do microfone. Perto o suficiente para pedir ao guitarrista a palheta quando ele ainda nem tinha começado a tocar. Perto o suficiente para ver a mão de Vanessa segurar a cortina pouco antes de abri-la e entrar no palco muito senhora dele e de si. Perto o suficiente para ver um Cristo Redentor pendurado logo abaixo de uma cicatriz à altura da tireóide. Perto o suficiente para tocar na mão dela, que todo mundo só quer tocar porque é a dela. Sim, porque Ticiana nunca nem pegou na minha mão, apesar de isso não importar para a crônica!
Sei que Vanessa parece mesmo não levar problemas para o palco, como uma vez ouvi numa entrevista. Me pareceu consciente e dona do que canta, dança e expressa. E acredito que, se não conseguiu ter coro em todas as músicas que cantou, foi por uma razão óbvia: boa parte do público não falava português. Coisa que, claro, não importou em Boa Sorte e Ai, ai, ai.... Mas os brasileiros que estavam lá fizeram bem a parte que lhes cabia. Cantei tudo que sabia e dancei tudo que não sabia. Tem coisas que, afinal, não importam, e a ignorância dos outros sempre faz com que algumas coisas sejam feitas sem muita dificuldade, assim não é nada difícil dançar xote ou sambar quando ao redor há alemães que entendem daquilo menos que você. Além disso, a noite havia começado sem muita atenção a coisas pequenas: Vanessa saudou o público com um Guten Abend! ensaiado e de vez em quando falava com a gente com umas frases que ela lia em alemão nasalizando até não mais poder. Por que eu deveria, então, me importar com o que não importa? Pois dancei!
História de uma gata, na verdade composta pelo Chico, foi um dos pontos altos pra mim. A letra me agrada muito por me dizer o óbvio que está além do já dito e a batida um tanto rock ainda mais viva numa apresentação ao vivo deixa o trecho 'Pela rua virando lata, eu sou mais eu, mais gata, numa louca serenata, que de noite sai cantando assim, nós, gatos, já nascemos pobres, porém, já nascemos livres' com um certo gosto de hino de liberdade. Boa Sorte, ápice do show para os estrangeiros todos – sim, porque aquelas duas horas foram brasileiras – cantei e dancei por uma amiga muito querida que dispensou um daqueles homenzinhos que não amam bem com essa música quando ela ainda começava a ser sucesso. Pensei nela com muita intensidade nessa hora e até ri por lembrar suas loucuras e amizade. Ai, ai, ai... foi uma das últimas, tocadas após Vanessa ir para detrás das cortinas ouvir os gritos de bis e voltar como se nada estivesse programado. Vi na lista no chão ao lado do microfone. Mas gritei por este bis como quem acredita que seu grito é aquele que faz o cantor voltar.
Já disse que achei Vanessa muito natural no palco, apesar do pouco – ou muito – de encenação que acredito ser necessário para se cantar e envolver gente com o que se canta. Num dado instante houve espaço para aquela que talvez seja a mais natural das coisas. Quando Vanessa deveria ter iniciado Amado, a voz não saiu. Os olhos já cheios de lágrima trouxeram gritos como “Você merece!” e “Maravilhosa!”. Não conseguindo começar a música após a introdução ser feita pela segunda vez, foi para detrás do palco para voltar segundos depois. E, percebia-se, não era sem contenção que ela cantava. Não acredito que haja tanta comoção em todo show devido a essa música. Creio que o motivo na hora era a satisfação e – por que não dizer? – privilégio de mostrar num lugar que não é o seu sua música, sua arte, sua vida e, através disso, que “nem toda brasileira é bunda”. Após terminar a música, um alemão estendeu um daqueles lencinhos tão alemães quanto a cerveja Kölsch é de Colônia. Ela o pegou e enxugou o canto dos olhos.
Foi um dos melhores shows a que fui, não sendo o melhor pela ausência daquele para quem canto Ainda Bem. Muito dançante, muito brasileiro, muito poético e muito vivo. E, no final, o guitarrista me entregou a palheta na mão.
Susy Almeida
Colônia, 19.05.09